domingo, 8 de fevereiro de 2009

Assassinamos a Igrejinha e a vida em sociedade

Assassinamos a Igrejinha e a vida em sociedade todos os dias

(trechos de uma carta enviada por uma moradora de Brasília ao jornalista Carlos Marcelo, do Correio Braziliense)

Parabéns pelo artigo publicado na edição de hoje (17/01/2009). Sou moradora da SQS 308 desde 1978. Estou entre os poucos que recolhem os dejetos de seus cachorros e, toda vez que empunho o saco plástico em meu dever cidadão, sinto, além de desconforto fruto da timidez, orgulho de passar a mensagem aos que não o fazem. Como voluntária da prefeitura, tento educar os donos de cachorros, mas a turma parece realmente não entender a necessidade de manter os gramados e calçadas limpos. É duro conviver com gente egoísta e preguiçosa ou, falando de modo politicamente correto, deveria dizer: pouco dada ao altruísmo e à civilidade. Existe a lei, falta fiscalização e punição, como para muitas outras contravenções rotineiras praticadas no Brasil.

Falando em contravenção, sobre os moradores de rua, um senhor comentou, no site do Correio, que Jesus vivia rodeado de miseráveis e que a igreja não deveria bani-los. Este senhor certamente nunca viu, pela janela de seu apartamento, um maltrapilho se masturbando ou fazendo sexo a céu aberto. Isso não é crime de atentado ao pudor? Isso com bebês e crianças com eles.

Beber, fazer (muito) barulho durante a noite, sujar o espaço público com garrafas, cacos de vidro, restos de comida, marmitas, papelões que lhes servem de cama – tudo isso causa um mal-estar muito grande na vizinhança. Passe pela Igrejinha desde o incêndio e constate o clima de tranquilidade que ali reina, com policiais instruídos a fazer vigília. Crianças e pessoas de todas as idades estão frequentando o lugar que, pela presença dos arruaceiros e o clima de insegurança que traziam, andava abandonado pela população. Agora quando passo de carro, tenho vontade de parar, sentar nos bancos, bater papo com os vizinhos, curtir um lugar que é de todos e vinha sendo monopolizado e loteado por indivíduos que, coitadinhos, não têm o que comer nem onde morar. Não é bem assim...

Não falamos de pessoas sem-teto mas, como a própria equipe do Correio apurou, de gente que vem acampar aqui em troca de dinheiro, comida e o que mais lhes derem. Os fieis tentam expiar seus pecados distribuindo moedas na saída da missa. Nós todos distribuímos trocados diariamente aos flanelinhas apenas pelo receio de sermos agredidos ao voltar – já somos agredidos se não damos nada. Agora há um desses sujeitos dentro da SQS 209, explorando o estacionamento na residencial próximo à comercial. É o cúmulo!

Se não criarmos já mecanismos de incentivo à formação profissionalizante, moral e cívica dessas pessoas e se não punirmos esse tipo de abuso (leis específicas precisam ser criadas e praticadas), nunca conseguiremos tirá-las das ruas e lhes dar condições dignas de subsistência. Trabalhar pra que quando podem fazer dinheiro sem esforço? Não vejo futuro diferente do Rio de Janeiro se continuarmos nesse jogo de empurra, transferindo a culpa para o governo, delegando a responsabilidade de ações sociais ao terceiro setor, não assumindo a nossa culpa de todos os dias.

Reuniões são feitas com órgãos do governo e representantes da sociedade, mas nunca se vê, presente nessas discussões, gente das áreas de educação, de saúde, do terceiro setor e das igrejas. Educação para criar cursos, dar-lhes noções de civilidade e assim aparelhá-los para encontrar trabalho; Saúde para ensinar-lhes a não ter tantos filhos e a importância de higiene básica e prevenção de doenças; Terceiro setor e Igreja para pararem de defender e de praticar o assistencialismo simplista, que resulta na manutenção do estado de indigência e na inevitável associação da falta de perspectivas ao crime.

Temos que unir esforços, juntar a comunidade – em todas as suas esferas – e estimulá-la a participar do debate a fim de buscar soluções, com o engajamento de todos.

Estou assustada com a postura acomodada de meus vizinhos. Poucos participam com sugestões ou comentários ou dedicam alguns minutos para simplesmente saber mais sobre o que acontece à nossa volta. Muitos, a maioria, critica os poucos que colaboram com a prefeitura da quadra. Resumo da ópera: a culpa é do governo e da prefeitura que não fazem nada. Quase nenhum dono de cachorro (ou empregada ou filho) cumpre seu dever de contribuir para a limpeza da quadra. Quem exige algo de terceiros deve pelo menos fazer a sua parte.

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